domingo, 28 de julho de 2019

Tragédias Cotidianas...


“Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba (...)”

Com frequência leio romances, contos e crônicas. Para além do prazer da leitura em si, do mergulho em um mundo construído por outrem, passei a procurar abstrair reflexões aos meus olhos pertinentes, bem como correlações com os diversos papéis que exercemos em nossas vidas. Recentemente, uma obra prima do mestre da tragédia causou-me inquietação e me fez refletir muito sobre os sentimentos, sobre as paixões que nos movem... Muito mais do que nossa “inteligência”, penso que são elas que diferenciam nossa espécie, por elas somos capazes de ações sublimes e atrozes... São elas que nos dão senso de propósito, por elas vivemos, por elas lutamos, por elas matamos e morremos...  
Em Otelo, Shakespeare demonstra o poder (neste caso destruidor) de uma pessoa hábil e conhecedora da natureza humana. Nessa obra, a vil personagem, chamada Iago, demonstra como transformar “virtude em piche”, como aproveitar-se da bondade de alguém para tecer uma teia de intrigas para destruí-la... Em sua primeira grande lição, ele afirma: “quando o desejo dos demônios é vestir os mais negros pecados, eles insinuam-se primeiro com vestimentas angelicais”. Em outras palavras, ações como essas são sorrateiras e dissimuladas. Quantas vezes já fomos iludidos por conversas bonitas, por pessoas que se aproximam para falar o que queremos ouvir (não o que precisamos escutar)... Quantas vezes fomos vítimas de pessoas que se passaram por amigos para nos apunhalar... Quantas vezes fomos sutilmente usados como instrumentos para que outro atingisse o que queria...
Confesso que a reflexão mais profunda sobre este tema causou-me forte angústia e ansiedade por duas razões: a primeira tem a ver com aquilo que costumo chamar de “ânsia por validação”, um monstro que se alimenta de uma necessidade natural de pertencimento que todos nós temos, mas que tem o poder de transformá-la em algo patológico, em que o “parecer” toma uma importância desproporcional em nossas vidas, podendo vir a subjugar ou, até mesmo, a anular quem de fato “somos” e o que de fato “sentimos”. Para além de vários outros efeitos decorrentes do nosso nível de dependência da validação alheia, o fato é que, quanto maior for esta necessidade, mais suscetíveis estaremos a cair no ardil dos lobos que se vestem de cordeiros.  Já a segunda aflição tem a ver com o extremo oposto, pois comungo do resultado de uma pesquisa de Harvard intitulada Study of Adult Development, segundo a qual o principal fator capaz de nos manter felizes e saudáveis é a qualidade de nossas relações. Mas como construir relações verdadeiras se nos vemos obrigados a nos manter sempre alertas e desconfiados? Para este dilema, compartilho com vocês minha humilde opinião... Para não se entrar em paranóia, nem se privar – por receio – da criação de vínculos fundamentais às nossas vidas entendo ser fundamental atenção a dois aspectos: um deles é a constância. Arrisco a afirmar que é impossível alguém manter laços por período prologando de tempo se não for por razões genuínas. A segunda, mas não menos importante, tem a ver com atenção necessária ao “samba de uma nota só”... Me explico; não é natural que uma pessoa sempre concorde conosco, sempre se mostre compreensiva, sempre se esforce a falar o que queremos ouvir. Afirmo, sem medo de errar, que algo assim NUNCA é verdadeiro e, senão decorrente de alguma patologia, muito provavelmente traz consigo interesses ocultos nada virtuosos e, em geral, inconfessáveis...  
De volta à rede de intrigas arquitetada por esta instigante personagem de Shakespeare, é impossível não mencionar a percepção  da importância da alcova, da morada onde o diabo habita; os Detalhes... Após arar e semear em sua vítima o sentimento desejado, levando-a a turvar sua visão e a confundir sua capacidade de discernimento, Iago cria diversas situações minuciosamente planejadas para corroborar sua narrativa. “Detalhes insignificantes, tênues como o ar, apresentam-se aos enciumados sob a forma de confirmação”, afirma. Ardiloso, foi capaz de conseguir valer-se até das virtudes mais sublimes de uma pessoa para atingir o seu intento... Após fustigar a desconfiança e o ciúme de Otelo em relação a Desdêmona, sua esposa, Iago aproveitou-se do perfil bondoso dela, para que intercedesse por um amigo junto a Otelo que, envenenado pelas prévias insinuações de Iago e tomado pelo fel da dúvida, no lugar de nobreza e bondade, enxergava na ação de sua amada esposa uma prova de traição... Antes de subestimar esse flanco, comum a todos nós humanos, supondo que ele seria afeito apenas aos ingênuos, garanto-lhes: nem Otelo, nem tantos outros que já sofreram desse mal nem de longe podem ser considerados como tal. Assumir essa fragilidade é, na verdade, o primeiro passo para ter-se alguma defesa contra esta que é a mais humana de todas as vulnerabilidades; em situações de stress, um confronto entre emoção e razão não é uma luta, é um massacre desta última. Não é à toa que decisões tomadas quando estamos “de cabeça quente” não raro são as piores, dentre as várias possíveis... Por isso, reafirmo, reconhecer um estado de ansiedade, de afetação por algum sentimento intenso é o primeiro passo para tentar mitigar seus efeitos e, assim, nos permitir à volta ao nosso bom senso. Mas será que apenas isso basta? Diria que tal capacidade não é uma condição suficiente, em si, não obstante necessária para desenrolar uma série de reflexões capazes de nos serenar o espírito e trazer à razão. Vejamos... Se Otelo tivesse reconhecido seu estado de ciúmes, certamente se daria conta de que o comportamento de Desdêmona com Cássio, seu amigo, não era uma exceção, mas a regra de como ela agia... Tal consciência provavelmente o faria refletir sobre a origem de suas desconfianças, de onde haviam partido...  E, ao seguir esta trilha, chegaria rapidamente às insinuações infundadas de Iago... Isso o faria ponderar sobre quem era Iago, que tipo de relação possuíam, quão constante era, quais interesses aquele vínculo implicava... Paralelamente, Otelo se veria impelido a recorrer a outros elos, outras relações, vez que ainda não podia confiar em seus próprios olhos, nem tampouco nos de Iago... Naturalmente, apelaria a pessoa próxima e de confiança que, despida das razões escusas de Iago, tenderia a serenar o estado de Otelo, devolvendo-lhe sua capacidade de discernimento... Agindo assim, o fim da história seria bem diferente...
Face todo o exposto, para finalizar esta breve reflexão, rogo para que a história não reescrita de Otelo, não nos sirva tão somente como fonte de regozijo pela leitura de uma obra prima, presente em nossa literatura. Mas que também se preste a nos permitir o exercício da elucubração e o desenvolvimento de habilidades de defesa suficientes para que tragédias como a de Otelo não sejam nada, além de histórias...

AGL Júnior
Rio de Janeiro, julho de 2019

domingo, 17 de março de 2019

Não só adoro poesia, como me considero, modéstia à parte, um poeta sobrevivente... Esta menção à poesia me veio à tona ao deparar-me recentemente com uma obra primorosa de Cecília Meireles.
“Porque há doçura e beleza na amargura atravessada, e eu quero a memória acesa depois da angústia apagada.”
O primor das entrelinhas deste lindo poema que compartilho com vocês reside num mecanismo mental comum a todos nós; o de buscar o prazer e evitar a dor. Mas isso é óbvio! O que há de genial nisso para além da beleza poética? Bem, para começar, é reconhecer que este mecanismo é falho, ele é, digamos, desprovido de inteligência e bastante míope... Nossa reação natural a uma dor sofrida é querer se livrar dela, esquecer. Mas logo no início Cecília nos lembra de que “há beleza na amargura atravessada”. Talvez esta seja a habilidade fundamental a ser desenvolvida e sem dúvida a mais difícil, porque a lembrança de dores vividas nos remetem ao mesmo conjunto de sentimentos que nos fizeram sofrer no passado. Ou, como diria Shakespeare, “lamentar uma dor passada no presente é criar outra dor e sofrer novamente”. A capacidade de conseguir enxergar beleza na “amargura atravessada” começa com o reconhecimento da travessia, que, por definição, deve ensejar um sentimento de vitória, de conquista... Particularmente, não creio apenas no aprendizado pela dor, como muitos advogam, mas sem dúvida alguma esses tendem a ser os mais marcantes. Eu costumo chamar minhas cicatrizes de medalhas e as exibo com orgulho, pois, a elas, devo muito do que sou e do que posso vir a ser...    
A segunda parte, entendo só ser possível se atingirmos a primeira. Ninguém vai querer manter lembrança de algo que lhe traga sofrimento, ninguém vai conseguir apagar a angústia enquanto não cicatrizar a ferida... Mas, uma vez alcançada essa capacidade de enxergar a beleza das amarguras atravessadas, é mister manter vivas, acesas tais lembranças e são várias as razões para tanto. Cito duas que considero as principais: a primeira tem a ver com o aprendizado. Tais experiências são, por natureza, intensas e ensejam lições riquíssimas e capazes de nos tornar muito melhores do que éramos antes delas. A segunda, mas não menos importante, está inextricavelmente ligada à relevância ou, nas palavras de Vinícius de Moraes, à “Vida Vivida”. Em meio ao mar de aparências, da superficialidade e futilidade insanas que tantas vezes dominam nosso cotidiano são momentos como esses que verdadeiramente marcam nossa breve passagem por aqui. No fundo, penso que nossas vidas são forjadas pelas lágrimas (doces e salgadas) derramadas ao longo da coleção de marcos vividos, tanto nos de prazeres sublimes, quanto nos de desesperos lacerantes...
Por isso, quem sabe hoje não seja o momento de começar a revisitar nosso rol de erros, falhas, equívocos e descaminhos pelos quais atravessamos e, de uma forma ou de outra, SOBREVIVEMOS...

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

DEPOIMENTO

Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2018

A palavra “Mudança” nunca ensejou tanto significado, como agora. Sim, é regozijante contar os louros, saborear as conquistas. Mas o sublime, de fato, reside na consciência do quanto eles custaram em suor, lágrimas e renúncias... Decisões erradas são parte integrante de nossa vida. E eu errei!!! Errei feio numa escolha profissional a ponto de, pela primeira vez na minha vida, nutrir em mim um grande arrependimento. Minha ânsia por empreender, aliada a uma fase de perda de autonomia, fizeram-me enveredar numa sociedade familiar que me custou muito mais do que perda de status, salário e oportunidades. Lembro-me bem do momento quando me dei conta da situação insustentável em que me encontrava; do amargo gosto da frustração; da derrota... Engraçado, acho que só agora estou me permitindo viver plenamente este luto. Naquele momento, as demandas do cotidiano se impuseram. Fui obrigado a enfrentar problemas empresariais tornados familiares; encarar em primeira pessoa divisão de negócios originalmente concebidos como etapas de crescimento e fazer dessa unidade meio de vida para mim e para meu irmão, enquanto buscava retomar minha trajetória profissional num dos piores momentos do mercado.

Confesso que no ápice da fase de arrependimento os “por quês?” (sempre sem respostas) ecoavam em minha mente nas várias noites de insônia. As lembranças de oportunidades perdidas e propostas de trabalho outrora recusadas ruminavam como uma dor de cabeça pungente e dolorosamente constante. Não bastasse isso, não tenho como esquecer a preocupação e a culpa desta situação ter sido talvez o gatilho para o surgimento de problemas de saúde na pessoa que mais amo.

É... Foi difícil... Foi MUITO difícil!!!! Mas já havia aprendido, desde muito cedo com meu pai que o pior e mais pesado dos fardos que uma pessoa pode carregar é assumir o papel de vítima. Dei-me conta de que não havia outra opção, senão, a de trabalhar dobrado e de Domingo a Domingo para garantir as contas diárias e, ao mesmo tempo, buscar recolocação no mercado, fosse através da minha rede de contatos profissionais, fosse através do estudo para concursos específicos. Este período me fez perceber o poder da necessidade e de um verdadeiro senso de propósito, sem isso me seria impossível enfrentar tão bem as longas jornadas diárias de trabalho, aliadas às noites e madrugadas estudando.

Foi necessário cerca de um ano para que meu plano de retomada começasse a dar resultados; em fevereiro de 2016 recebi um telegrama de convocação para me apresentar numa subsidiária do sistema Petrobras em decorrência de aprovação num concurso, no qual havia sido aprovado aproximadamente 4 meses atrás. Na mesma semana, fui indicado por um ex-chefe e grande amigo para trabalhar na área comercial do banco de um grande fabricante de caminhões. O fato de já possuir experiência relevante no segmento bancário, aliado à curiosidade sobre o mercado de GLP, sem falar na estabilidade que um emprego público garantiria foram determinantes para que minha escolha fosse direcionada à primeira opção.
Indiscutivelmente, um grande passo havia sido dado, uma grande conquista alcançada. Algo que me permitiu como recompensa, não apenas diminuir o ritmo insustentável que vinha mantendo, mas curtir o momento... E, sobretudo, ter a certeza de que estava trilhando o caminho certo...

Recomeçar do zero uma carreira corporativa não é nada fácil, especialmente para alguém que, como eu, já havia galgado posições relevantes de liderança. Mas confesso que este não foi o principal desafio que vislumbrei na minha nova casa. A questão era bem mais séria e residia justamente no tema que me é mais caro; perspectivas de crescimento. O segmento de GLP é muito estável e pouco receptivo a mudanças. Mas, ainda assim, foi um choque deparar-me com um contingente significativo de colegas na mesma função por vários anos, muitos dos quais por mais de uma década... Considerando que essa realidade se deu numa fase de forte expansão, em cujo plano estratégico da empresa era tornar-se líder de mercado, é possível imaginar como ficaria a mobilidade quando o foco passou a ser melhorar rentabilidade e preparar-se para um processo de privatização; momento em que ingressara... Se por um lado minha meta de não mais depender dos meus negócios ainda não havia sido atingida, a falta de perspectivas com a qual me deparava me faziam seguir cantando U2 “I still haven’t found what I'm looking for”.

Faço questão de salientar, no entanto, que o fato de não me enxergar construindo uma carreira onde estava, em hipótese alguma fez de mim um funcionário medíocre. Muito pelo contrário... Embora seguisse na busca por alternativas melhores, que se encaixassem na visão de futuro que construí para mim, o fato é que não há certezas! E a consciência disso reforçava a necessidade de seguir no princípio que sempre me norteou; o de dar “o melhor, na condição que se tem até ter condições melhores para se fazer melhor ainda”. Este que é o princípio do capricho, ampla e sabiamente advogado por Mário Sérgio Cortella, permitiu-me fazer a diferença onde estava mesmo sem a perspectiva, nem desejo de lá permanecer...

Ao contrário de outrora, tenho a convicção de que o passo que dou neste dia em minha trajetória profissional me permite alcançar ambas as metas de topo que me estavam pendentes: hoje, ao assinar contrato de trabalho com a Petróleo do Brasil S.A., deixarei de ser apenas Anderson... E, como uma espécie de novo batismo, terei um sobrenome a mais, uma referência que enseja orgulho e muita responsabilidade... A partir de hoje, serei mais conhecido como Anderson (da PETROBRAS)...

terça-feira, 30 de junho de 2015

Hoje é dia de celebrar.





Hoje é dia de celebrar... Celebrar as linhas tortuosas repletas de acaso, cujas razões muitas vezes passamos uma vida inteira na sua busca, mas cujo verdadeiro sentido reside justamente no seu desfrute.
Hoje é dia de celebrar o fechamento de um ciclo de vida e a abertura de mais um outro novo e repleto de oportunidades a serem desbravadas em estradas de lágrimas e sorrisos; dor e regozijo; vitórias e fracassos; encontros e desencontros.
Hoje é dia de celebrar... Celebrar por um presente insólito e inesperado; uma relação fraterna cuja ligação não se limita apenas ao sangue, apesar do mar de ausência passado que de uma certa forma, infelizmente, ainda se faz presente.
Hoje é dia de celebrar o tempo, o mais relevante de todos os presentes, presente que nos permite escolhas, escolhas que nos faz e refaz quem somos a cada dia.
Hoje é dia de celebrar... celebrar um irmão que o passado fez ausente, mas cujo presente e futuro agora só dependem de nós...
                                                                                 Dedicado a Victor Walking

AGJ

segunda-feira, 29 de junho de 2015

O Mundo Anda Tão Pesado...






Estra frase veio à tona a partir de uma conversa com Dona Paz quando estávamos numa curta viagem de trabalho e conversávamos sobre voltarmos a escrever juntos, quando me disse: Amor, o mundo anda tão pesado...

Infelizmente, não vejo como discordar, uma vez que xingamentos, agressões, julgamentos do que os outros podem ou não podem, devem ou não devem fazer tem sido a tônica de quase tudo que se lê e fala no momento. Sabe, é fácil manter o dedo em riste para acusar, julgar e condenar o outro; é fácil espalhar nossas opiniões como se fora a base, a essência do que é certo, sem qualquer preocupação em ouvir o diferente ou se importar com os efeitos de nossa verdade naqueles que nela não creem... O mais irônico é que num mundo tão diferente não louvamos o contraditório, não aprendemos com ele, pior, não melhoramos com ele... A preocupação, com raras exceções, é sobrepor o diferente, é vencê-lo como se pensamentos distintos não tivessem espaço para conviver numa sociedade que pasmem chamamos democrática.

Por falar em democracia, gostaria de me valer de uma frase, cujo autor infelizmente desconheço, que sintetiza muito bem a deturpação generalizada deste conceito: “nem tudo que pensamos deve ser dito, mas tudo que falamos deve ser pensado”. Não é à toa que tantos pensadores comparam Palavras às Armas. Portanto, meu amigo e minha amiga você pode até ter o direito de dizer o que quer e bem entendo, mas não esqueça que com esse direito está implícita a inexorável responsabilidade.  



domingo, 13 de outubro de 2013

Crônicas de um Encontro com Quem não Fui - Cap. I

I – Quem é quem...

Está tudo em minha mente, às vezes consigo até enxergá-lo ao fechar os olhos. É um homem de aparência normal na casa dos trinta anos. Nunca fui muito bom em descrever os detalhes estéticos que nos caracterizam, muito embora jamais tenha tentado com muito afinco. Tenho algumas teorias sobre as possíveis razões, mas que não vêm ao caso neste momento porque o foco é ele e nem de longe minhas limitações justificadas ou não. Sabe, a verdade é que não posso afirmar com certeza se o estou criando ou se estou apenas tentando descobrir quem é ele. Por mais estranho que isto possa parecer, acho que ele existe independentemente da minha vontade e o que busco fazer agora é reconhecê-lo como tal e verbalizar o que sei ou penso que sei dele. Confesso que a coragem desta empreitada veio após a leitura da Hora da Estrela de Clarice e também de uma espécie de comichão, de uma ânsia por escrever, de externar um mundo que não tem se contentado em permanecer chamado de “interior”. Debruçado diante da tela do computador, cujo editor não para de piscar esperando as novas palavras que demoram muito mais do que gostaria, não pela falta de conteúdo (não necessariamente relevante), mas pela dificuldade ou deveria dizer incapacidade de acompanhar meus pensamentos. O problema não é simplesmente acompanhá-lo, mas concluí-lo... Uma vez que ele aparentemente nunca para e segue sempre numa velocidade muito superior à minha, busco pinçar o máximo e não mergulhar no abismo de tudo que já perdi e que vou perder. Mergulhar nesse abismo é doloroso demais, mesmo àqueles que tentam manter a fé de que mesmo sendo apenas uma ínfima fração da inteireza do nosso ser, ainda podemos ser relevantes não só para quem nos cerca, mas principalmente para nós mesmos. “Quero ser o que sou acima de mim mesmo” disse Vinícius uma vez... Confesso que não é fácil ler e reler este desejo quando acabo de afirmar a minha incapacidade de certa forma resignada de ser apenas quem sou...
Iniciei este texto para falar da personagem que, a princípio, supunha estar criando, mas que de fato já existe aparentemente por um ato involuntário da minha mente. Ele, que a quem vejo praticamente todos os dias, mas ainda assim tenho dificuldade de descrever; Ele que talvez seja a junção de pedaços de mim não vividos e que talvez por isso mesmo me esteja sendo tão difícil falar a respeito. Ao contrário do que possam pensar, não acho que ele seja eu, mesmo que tenha sido feito por partes de mim que não chegaram a ser de fato. Ao longo do nosso caminho e em função de nossas escolhas, deixamos vários pedaços de nós mesmos que poderiam ter sido, mas simplesmente não foram e se perderam. Não vejo isso como um problema, mas como um processo natural, ao menos assim pensava até me deparar com uma quimera feita do que não foi.
Eu o vejo sempre com uma distância que pensava ser segura e, até hoje, tinha certeza de que só eu o via. Sempre tinha anteparos a me proteger e ele estava na rua, em geral com muitas outras pessoas à volta. A verdade é que hoje não tenho certeza... Vou segui-lo mais de perto agora, engraçado sentir frio na barriga ao dizer isso, uma vez que se trata de um sinal de medo que não sei ao certo dizer de quê. Não, não falarei com ele, pelo menos ainda não, pois preciso saber com quem estou lidando primeiro. Segurei seus passos... Segurei seus passos...   
AGJ

   

Girando as Máscaras

Atualmente estou no propósito da busca por externar a representação dos papeis mais relevantes deste momento de minha vida. Assim, Reflexões de Guerra estará votado às minhas elucubrações, mais precisamente as elucubrações do cidadão, do amigo, do homem e do poeta ainda sobrevivente...
AGJ